TRF4 relativiza laudo pericial e concede aposentadoria por incapacidade permanente a segurada com transtorno bipolar.

 A 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reconheceu o direito de uma dentista de 57 anos à aposentadoria por incapacidade permanente, convertendo o auxílio por incapacidade temporária que ela vinha recebendo desde 2017. A decisão, unânime, destaca a importância da análise global das provas, especialmente em casos envolvendo doenças psiquiátricas complexas e múltiplas comorbidades.

🔹 O caso: afastamento prolongado e agravamento clínico

A segurada está afastada do trabalho desde agosto de 2017, com sucessivas prorrogações administrativas do benefício. O próprio INSS havia projetado a cessação para julho de 2026.

Durante a perícia judicial realizada em março de 2024, foi confirmado o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (CID F31.3), com sintomas como humor deprimido, ansiedade, crises de ausência, falta de energia e dificuldade de concentração. Apesar disso, o perito concluiu que a incapacidade seria apenas temporária, estimando melhora até setembro de 2024.

Contudo, outras provas juntadas ao processo demonstraram que o quadro era bem mais grave e evolutivo.


🔹 Provas complementares foram decisivas

O Tribunal deu especial relevância ao laudo administrativo mais recente, elaborado pelo INSS em julho de 2024, que registrou:

  • alucinações visuais;

  • epilepsia ativa;

  • artrite psoriásica, gonartrose e artralgia;

  • necessidade de uso de bengalas;

  • frequentes ajustes de medicação;

  • episódios de gastos excessivos em razão da instabilidade psíquica.

Esse conjunto demonstrou agravamento progressivo e a impossibilidade real de retorno ao exercício da odontologia, profissão que exige concentração, coordenação motora fina e estabilidade emocional.


🔹 Relativização do laudo: fundamentos jurídicos

A relatora destacou que o juiz não está vinculado automaticamente ao laudo pericial, conforme art. 479 do CPC. A Turma aplicou:

  • Enunciado 21 da I Jornada de Direito da Seguridade Social (CJF): admite incapacidade resultante da soma de patologias.

  • Enunciado 27: reforça o princípio da precaução diante de riscos ocupacionais.

Também foram consideradas as condições pessoais da segurada:

  • 57 anos de idade;

  • mais de 8 anos de afastamento;

  • profissão com alta exigência técnica e psíquica;

  • comorbidades múltiplas e progressivas.

Diante do conjunto probatório, o Tribunal concluiu pela incapacidade definitiva.


🔹 Resultado: conversão do benefício

A 9ª Turma determinou:

  • manutenção do auxílio por incapacidade até a data da perícia judicial (06/03/2024);

  • conversão para aposentadoria por incapacidade permanente a partir dessa data;

  • compensação de valores eventualmente pagos em benefícios inacumuláveis;

  • indeferimento do adicional de 25%, por falta de comprovação da necessidade de assistência permanente de terceiros.

Como a segurada ainda possui benefício ativo, o TRF4 não determinou a implantação imediata — caberá ao INSS realizar a conversão.


🔹 Por que essa decisão importa?

O julgamento reforça que, em matéria previdenciária, o laudo pericial não é absoluto. Quando o histórico médico, as condições pessoais e as demais provas indicam incapacidade permanente, o Judiciário pode — e deve — reconhecer o direito ao benefício, mesmo contra a conclusão do perito.

É um precedente relevante, especialmente para casos de transtornos psiquiátricos e situações de pluripatologias, nos quais a evolução da doença e os impactos na vida prática do segurado nem sempre são captados por uma única avaliação pericial.

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