TRF4 relativiza laudo pericial e concede aposentadoria por incapacidade permanente a segurada com transtorno bipolar.
🔹 O caso: afastamento prolongado e agravamento clínico
A segurada está afastada do trabalho desde agosto de 2017, com sucessivas prorrogações administrativas do benefício. O próprio INSS havia projetado a cessação para julho de 2026.
Durante a perícia judicial realizada em março de 2024, foi confirmado o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (CID F31.3), com sintomas como humor deprimido, ansiedade, crises de ausência, falta de energia e dificuldade de concentração. Apesar disso, o perito concluiu que a incapacidade seria apenas temporária, estimando melhora até setembro de 2024.
Contudo, outras provas juntadas ao processo demonstraram que o quadro era bem mais grave e evolutivo.
🔹 Provas complementares foram decisivas
O Tribunal deu especial relevância ao laudo administrativo mais recente, elaborado pelo INSS em julho de 2024, que registrou:
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alucinações visuais;
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epilepsia ativa;
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artrite psoriásica, gonartrose e artralgia;
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necessidade de uso de bengalas;
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frequentes ajustes de medicação;
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episódios de gastos excessivos em razão da instabilidade psíquica.
Esse conjunto demonstrou agravamento progressivo e a impossibilidade real de retorno ao exercício da odontologia, profissão que exige concentração, coordenação motora fina e estabilidade emocional.
🔹 Relativização do laudo: fundamentos jurídicos
A relatora destacou que o juiz não está vinculado automaticamente ao laudo pericial, conforme art. 479 do CPC. A Turma aplicou:
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Enunciado 21 da I Jornada de Direito da Seguridade Social (CJF): admite incapacidade resultante da soma de patologias.
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Enunciado 27: reforça o princípio da precaução diante de riscos ocupacionais.
Também foram consideradas as condições pessoais da segurada:
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57 anos de idade;
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mais de 8 anos de afastamento;
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profissão com alta exigência técnica e psíquica;
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comorbidades múltiplas e progressivas.
Diante do conjunto probatório, o Tribunal concluiu pela incapacidade definitiva.
🔹 Resultado: conversão do benefício
A 9ª Turma determinou:
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manutenção do auxílio por incapacidade até a data da perícia judicial (06/03/2024);
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conversão para aposentadoria por incapacidade permanente a partir dessa data;
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compensação de valores eventualmente pagos em benefícios inacumuláveis;
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indeferimento do adicional de 25%, por falta de comprovação da necessidade de assistência permanente de terceiros.
Como a segurada ainda possui benefício ativo, o TRF4 não determinou a implantação imediata — caberá ao INSS realizar a conversão.
🔹 Por que essa decisão importa?
O julgamento reforça que, em matéria previdenciária, o laudo pericial não é absoluto. Quando o histórico médico, as condições pessoais e as demais provas indicam incapacidade permanente, o Judiciário pode — e deve — reconhecer o direito ao benefício, mesmo contra a conclusão do perito.
É um precedente relevante, especialmente para casos de transtornos psiquiátricos e situações de pluripatologias, nos quais a evolução da doença e os impactos na vida prática do segurado nem sempre são captados por uma única avaliação pericial.

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